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Escritos

Falar dos impulsos que me levam a pintar, desenhar e bordar começa pela ordem de chegada: qual veio primeiro. Talvez tenha sido o contato cedo com a natureza e a necessidade pulsante de viajar e conhecer outros países, outras línguas e sentir a adrenalina de se estar distante da própria terra. Mas talvez tenha sido a vontade de trazer as ideias para o mundo tátil, e saber como elas se apresentariam através das minhas mãos e dos rastros deixados por elas no trabalho pronto. Uma terceira opção, seria começar com o olhar curioso para as cores que compõem uma paisagem, uma folha caída no chão ou um pássaro na árvore e precisar mostrar isso aos outros, da maneira que sinto. São começos diferentes para se contar uma história, mas todos são ligados ao universo sensível em que me encontro quando estou criando e ao afeto que me conecta ao meu trabalho.

Considero então a fotografia um bom ponto de partida desta narrativa. Minha câmera, que já teve vários corpos e tamanhos, sempre me acompanhou aos lugares enquanto turista nova ou passageira ocasional, sendo um dos itens mais importantes para se levar em uma viagem até hoje. Ela é uma ponte de conexão entre mim e o que está sendo fotografado, e essa intimidade criada no ato de fotografar se torna muito mais forte após alguns dias de convívio. A fotografia para mim é uma justificativa para a imersão em territórios novos. É com minha câmera que vejo motivos para explorar um novo lugar, e é com ela que construo um link entre o que vejo e o que mais tarde vou produzir no meu ateliê.  Não é uma regra, mas com certeza um hábito, e diria até que é um mutualismo benéfico entre nós duas. Depois de alguns dias eu já não me sinto uma turista qualquer, mas sim uma passageira a passos lentos.

Enquanto fotografo, é na natureza que me encontro feliz. Ela é minha fonte mais importante de inspiração, por mais abrangente que isso pareça, e é infinita. Se há um vínculo afetuoso criado entre mim e aquele espaço, então as fotos vêm naturalmente, e são tantas possibilidades que elas se “amontoam” no meu computador. Elas reafirmam que a natureza é perfeita, que ela tem um equilíbrio estético em sua própria assimetria. No momento da foto, eu escolho os ângulos e enquadramentos, para mais tarde com calma, imaginar as cores e desenhos que vi ao vivo transportados para a tela de pintura, para o tecido e o papel.
escolha entre um material e outro se dá pelo desejo de textura, combinação de cores e tamanhos que aquela imagem me apresenta como potencial. Não é uma escolha lógica, e sim do campo da sensibilidade, da vontade e da intuição.

Mas, ao lado desse universo sensível existe um universo lógico. Ele se mostra nas pesquisas que faço de cada técnica, aprimorando minhas escolhas e os materiais que eu mesma faço para cada vez chegar mais perto do que se encaixa melhor para mim. A pesquisa mais expressiva de todas começou em 2017 quando cheguei à conclusão de que as cores de pastéis-secos disponíveis nas lojas eram insuficientes ou inacessíveis e que por isso eu precisava suprir a minha própria demanda. Sendo assim, busquei em livros, conversei com algumas pessoas, à procura da fórmula que me traria a liberdade tonal e colorífica para os meus trabalhos, não dependendo mais do produto pronto. Cada lugar pesquisado, blogs, livros, e e-mails trocados, me trouxeram receitas que seguiam necessidades e vontades específicas de quem as fazia, mostrando uma pluralidade de resultados. Hoje em dia os pastéis-secos que faço são produto de muitas tentativas e erros, resultando em uma fórmula bastante pessoal. Tenho um pastel-seco que serve meu propósito da melhor maneira. Junto com a manufatura do giz, veio junto a transformação do papel no ateliê, que passa a ser um papel específico para o uso de pastel-seco e mais eficaz em aderir os pigmentos. A manufatura do próprio material é energizante e inovadora, e chega a ser tão interessante quando a produção do trabalho de arte, já que é o caminho para ele.

A cor e o desenho se complementam no meu trabalho, são minhas forças motrizes. Enquanto é a cor que traz a vibração e o contraste, é o desenho que limita os espaços de cor, é ele que transmite o movimento que me inspirou na natureza, e é ele que me dá a primeira satisfação quando começo algo. Sem ele, me sinto incompleta e indefinida. E para mim, a natureza representa a conjunção entre desenho e cor.

Gosto de buscar as massas de cores e as linhas que as definem em uma paisagem, as fronteiras entre plantações e matas, o movimento encaracolado e a densidade das florestas em contraponto à organização geométrica das ações humanas, das plantações, os recortes terrenos e os encontros nas divisas. Esse exercício de pensamento me ajuda a diferenciar as regiões e entender melhor o funcionamento da natureza naquela área. Também projeto o futuro imaginando como será em alguns anos aquela imagem, o que terá mudado e o que permanecerá igual. Me questiono sobre a relação que temos com a construção humana quando ela é orgânica, viva e se transformando através da natureza. As estradas de terra que mudam de tamanho, se moldando aos automóveis, à água e aos bichos; as represas criadas para abastecimento; e as plantações.

Uma paisagem guarda dentro de si toda uma pluralidade, uma complexidade de eventos e composições, que ao olhar de fora resumimos à uma coisa só, a uma massa uniforme de cor. É a complexidade de um universo inteiro dentro de uma bola de gude. Você se sente confortável com essa vista longínqua e uniforme que poderia estar resumida em um espaço tão pequeno. Mas ao adentrar fisicamente nessa natureza que está comprimida no contexto de paisagem, ela se expande e nos envolve. Toma conta de todos os lados do nosso corpo, e é infinitamente mais dinâmica e misteriosa do que imaginávamos. Podemos nos sentar em um banquinho e ficar olhando para um mesmo ponto de dentro dessa paisagem, e novos elementos continuarão sendo descobertos por horas.

A imagem do espelho aparece repetidamente para mim quando crio essa cena na minha cabeça: o passo que damos para atravessar uma zona de natureza controlada para uma floresta. De fora vemos algo, uma floresta mais planificada, chapada, onde sua profundidade nos escapa, algo que parece muito separado de nós, como um plano de outra dimensão. Quando nós nos olhamos no espelho, apesar de vermos um reflexo do que está conosco e atrás de nós, essa profundidade que no espelho é fisicamente inexistente, se torna objeto de imaginação. O que aconteceria se adentrássemos o espelho? O que acontece ao adentrarmos uma floresta? Nossa pele entrará em contato com outra atmosfera, mais úmida, insetos, teias de aranhas, plantas que nos abraçam de todos os lados, e um estado de atenção diferente.  O ar é delicioso, as tonalidades de verdes se multiplicam, o olho se acostuma com a luz que chega do alto pelas copas, e temos a sensação de sermos intrusos em um território que é muito mais do outro que nosso. Essa passagem de fora da floresta para dentro e vice-versa me instiga como a existência de um portal que se atravessa. É o momento em que o meu corpo passa a fazer parte do trabalho.

Minha altura, meu tamanho e meu movimento através do espaço são coisas que estão aderidas ao trabalho, mesmo que de maneira invisível. É com o meu corpo que seguro a câmera, acomodando meus pés na terra, e essa relação se reflete na fotografia final. É com ele que desenho e enxergo as cores, e é a velocidade das minhas mãos que determinam o tempo que um trabalho vai levar para ficar pronto. São impulsos que se encaixam como uma trança de cabelo, onde em um momento é um que fica por cima, para logo depois dar espaço ao outro, e assim continuamente. No final, meu trabalho sou eu inteira, e não poderia ser diferente.

Thoughts

Talking about the impulses that lead me to paint, draw and embroider, makes me think: which came first? Perhaps it was the early contact with nature and the pulsating need to travel and get to know other countries and languages and feel the adrenaline of being away from my own land. But maybe it was the desire to bring the ideas to the tactile world, and to know how they would present themselves through my hands and the tracks left by them in the finished work. A third option would be the curious look at the details, like the colors that create a landscape, a leaf lying on the ground or a bird on the tree, followed by the need to show others the way I feel when I see these nature elements. They are different beginnings for telling a story, but they are all linked to the sensitive universe in which I find myself when I am creating and to the affection that connects me to my work.

I then consider photography as a good starting point for this narrative. My camera, which already had several bodies and sizes, always accompanied me to the places. Me as a new tourist or occasional passenger, and the camera being always one of the most important items to take with me on a trip. It is a connecting bridge between me and what is being photographed, and this intimacy created in the act of photographing becomes much stronger after a few days of living together. Photography for me is a justification for immersion in new territories. It is with my camera that I see reasons to explore a new place, and it is how I build a link between what I see and what I will later produce in my studio. It is not a rule, but certainly a habit, and I would even say that it is a beneficial mutualism between the two of us - me and the camera. After a few days I no longer feel like a tourist, but a passenger slowly passing by.

While photographing, it is in nature that I find myself happy. It is my most important source of inspiration, however vast it may seem, and it is infinite. If there is an affectionate bond created between me and the space, then the photos come naturally, and there are so many possibilities that they will “pile up” on my computer. They reaffirm that nature is perfect, and it will always have an aesthetic balance in its own asymmetry. In the moment I am photographing, I choose the angles and frames for the landscape I am facing. Later, I calmly imagine the colors and drawings that I saw before, transported to the canvas, the fabric, or the paper.

The choice between one material and another is due to the desire for texture, combination of colors and sizes that that image presents to me as potential. It is not a logical choice, but it belongs to the field of sensitivity, will and intuition. But beside this sensitive universe, there is also a logical one. This logical universe shows itself in the research that I do for each technique, improving the mediums and materials that I use to make myself closer and closer to what is best for me. The most expressive research of all began in 2017 when I concluded that the colors of soft-pastels available in stores were insufficient or inaccessible and that I needed to supply my own demand. So, I searched for books, talked to some people, looking for the formula that would bring me tonal and color freedom for my work, no longer depending on the product from the store. Each place, blogs, books researched, and e-mails exchanged, brought me recipes and tips that followed the specific needs and wants of those who made them, showing a plurality of results. Nowadays the soft pastels I make are the product of many trials and errors, resulting in a very personal formula. I have a soft pastel that serves my purpose in the best way. Along with the manufacture of the soft pastel sticks, came the transformation of the paper I use in the studio. I transform the texture of a specific paper, so it is more effective in adhering to pigments of the soft pastels and sometimes colored pencils. The manufacture of the material itself is energizing and innovative, and it is as interesting as the production of the artwork itself, since it is the way for it.

Color and drawing complement each other in my work: they are my driving forces. While it is the color that brings vibration and contrast, it is the drawing that limits the color spaces, that shows me the movement that inspired me in nature and gives me the first satisfaction when I start something. Without the drawing, I feel incomplete and undefined. And for me, nature represents the conjunction of both, color and drawing.I like to look for the masses of colors and the lines that define them in a landscape, the boundaries between plantations and forests, the curly movement, and the density of the forests as a counterpoint to the geometric organization of human actions, plantations, land cuts and borders. This mental exercise helps me to differentiate regions and to better understand how nature works in that area. I also project the future by imagining what that image will look like in a few years, what will have changed and what will remain the same. I wonder about the relationship we have with human construction when it is organic, alive, and changing through nature. Dirt roads that change in size, molding themselves to automobiles, water and animals; dams created for supply; and plantations.

A landscape holds within itself a whole plurality, a complexity of events and compositions, which when looking from the outside we summarize it to one thing, to a uniform mass of color. It is the complexity of an entire universe inside a marble. You feel comfortable with that distant and uniform view that could be summed up in such a small space. But when entering physically in that nature that is compressed in the landscape context, it expands and envelops us. It takes care of all sides of our body, and it is infinitely more dynamic and mysterious than we imagined. We can sit on a stool and look at the same point within this landscape, and new elements will continue to be discovered for hours. The “mirror image” appears repeatedly to me when I create this scene in my head: the step we take to cross a controlled nature area into a forest. From the outside we see something: a more planned, flat forest, where its depth escapes us, something that seems very separate from us, like a plane from another dimension. When we look at ourselves in the mirror, although we see a reflection of what is with us and behind us, that depth that in the mirror is physically non-existent, becomes an object of imagination. What would happen if we entered the mirror? Which comes to: what happens when we enter a forest? Our skin will encounter another environment, a more humid atmosphere, insects, spider webs, plants that embrace us from all sides, and a different state of attention. The air is delicious, the shades of green multiply, the eye gets used to the light that comes from the treetops, and we have the feeling of being intruders in a territory that is much more of the other than ours. This passage from outside the forest to inside and vice versa instigates me as the existence of a portal that is crossed. It is the moment when my body becomes part of the work. My height, my size and my movement through the nature are details that are attached to the work, even if in an invisible way.

It is with my body that I hold the camera, accommodating my feet on the ground, and this action is reflected in the final photography. It is with my body that I draw and see the colors, and it is the speed of my hands that determine the time that a job will take to be ready. All the movements that culminate in the final artwork are impulses that are metaphorically organized like a braided hair. One impulse comes from below to be on top, to immediately give space to the other impulse that is sprouting, and so on continuously. In the end, my job is my mind and my body, it is me whole, and it couldn't be different.

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